Entrevista do Projeto Música no Jardim

Entrevista que aconteceu minutos antes do show no Jardim Lutzemberger.

Música no Jardim – Quando surgiu o projeto?
André Paz – Foi no final de 2010, num evento que teve no [Teatro de] Arena.
Róger Wiest – Mas a gente nem se chamava Quiçá, Se Fosse.
André – É, teve a apresentação de duas ou três músicas, e ainda não tinha nome. Depois a nossa estreia mesmo aconteceu no Glênio Peres em agosto de 2011.
Róger – Quando reabriu o Teatro Glênio Peres da Câmara dos Vereadores. A gente entrou por um edital, queria estrear o trabalho, e era uma época em que não tinha mais nada aberto, aí fizemos lá.
André – Foi uma estreia super empolgante, porque encheu. Foram dois shows, separados por uma semana. Aí no primeiro tinha os nossos convidados, e na outra semana um público inteiramente novo, que foi pelo boca-a-boca. Foi bem legal.
Róger – Já tinha coisas com loop.
André – Os arranjos já eram ideia de ser só dois tentando preencher os “buracos” que uma banda preenche. Porque a gente sempre tocou com banda, então quando a gente decidiu reduzir a estrutura pra conseguir tocar em qualquer lugar, em lugares pequenos, a gente começou a ver uns buracos nos arranjos, por estar acostumado a ter sempre aquele som cheio, e aí decidiu usar o loop como subterfúgio pra resolver esse problema.
Róger – A gente usou coisas que já possuía, e aí começou a surgir a necessidade de botar coisas, por exemplo: eu queria muito ter um derbak – então colocamos um derbak na música “Cadabicho”. O André queria ter um bombo leguero, pela sonoridade, aprender a tocar um pouco. Enfim, no início usamos os equipamentos que já tínhamos, e [para André] sorte que tu tinha o loop (risos).
André – É. (risos)
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Róger Wiest
MJ – Vocês também são atores: o quê surgiu antes na formação de cada um, a música ou as artes cênicas?
André – A música. A nossa história foi mais ou menos parecida, porque nós dois começamos a nos aproximar do teatro compondo trilhas para peças, e aí cada um foi se interessando, do seu jeito, e foi fazendo. O Róger começou a trabalhar com o Cuidado Que Mancha, eu comecei a trabalhar com o DAD [Departamento de Arte Dramática da UFRGS], resolvi entrar no curso de Direção Teatral. A gente sempre defende também que as formações são muito complementares, a gente acha que todo músico deveria fazer um pouco de teatro, e todo ator deveria ter uma noção de música.
Róger – E não só de artes cênicas, as outras artes também agregam na criação, na concepção, é tudo…
André – …é tudo a mesma coisa! (risos)
Róger – É, na verdade é isso, só que é legal tu ver através de um outro viés. O da música, se tu fica muito ensimesmado, sempre dentro da tua linguagem, tu acaba não pegando aquilo com que as outras linguagens se preocupam. Cada arte acaba ficando preocupada com algumas coisas, e largam as outras de mão. Por exemplo: a música não pressupõe tanto um público, já o teatro não existe sem o público. Na música, tu vai encontrar muita gente que toca muito e nunca se apresentou, ou produziu um monte de coisas pra ninguém.
André – Na música existe uma preocupação do público mais no sentido mercadológico, do público que consome o teu produto. Mas a gente foi ouvir pela primeira vez isso no teatro: que sem público não tem teatro! E essa é uma outra visão do público como parte daquela efemeridade, daquela vivência de apresentação, que na música eu nunca tinha ouvido falar nisso, sabe?
Róger – Nunca era uma preocupação.
André – Foi um estalo!
Róger – Era uma coisa que nunca se falava.
André – E toda a concepção também de espetáculo, de um show de música como uma coisa “assistível”. Pra ouvir a música eu fico em casa e boto um CD, o som é sempre melhor se eu coloco o CD.
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André Paz
MJ – A música de vocês desafia definições, como vocês mesmos propõem, mas ao mesmo tempo existem vários elementos que se repetem e dão uma coerência ao trabalho. De onde vêm essas escolhas específicas, instrumentais e estéticas? Começa tudo com violão e voz?
Róger – Antes de voz e violão, parte do mote das músicas, eu acho. Porque essa coisa de não se definir surge como um querer não se definir pra poder ter liberdade. Porque à medida que tu define muito uma coisa, tu já vai fazer dentro daquela linha, tu pressupõe que o público já vai te escutar porque tu faz um pop rock, um samba, um baião, mas quando tu quer fazer tudo, quer te apropriar das coisas, experimentar e ver o que vai dar, aí tu não tá te definindo. Mas é lógico que tem uma linha, a própria escolha dos instrumentos nos definiu um pouco e nos fez fazer uma coisa e não fazer outras. Por exemplo, não é uma banda, nunca vai soar como uma banda, então a nossa linha já acabou ficando um pouco dentro dessa coisa percussiva, voz e violão, dentro disso. Mas eu acho que a gente escolhe esses caminhos a partir do mote da música, a música sugere um monte de coisa, a letra, a melodia, acho que é daí que a gente começou a incorporar esse instrumentos. Por exemplo, tem uma música que sugere um ritmo de baião, então porque não botar um pandeiro? Ou noutra, que sugere uma coisa meio sulista, botamos um bombo leguero.
André – A questão da coerência, que tu falou, acho que isso se dá naturalmente, porque são as mesmas pessoas que estão fazendo, e em nenhum momento a gente quer ser especialista, tanto instrumentalmente quanto esteticamente. A gente não quer ter o compromisso de fazer “o samba como é o samba”, ou fazer “o baião como tem que ser o baião”, sabe? A gente quer se apropriar dessas coisas pra fazer a nossa expressão. Então acho que é daí que acontece essa coerência, ela se dá pelo sentido de a expressão ser feita pelas mesmas pessoas. Então vai criando uma linha. Mas o mote sempre foi a música isolada, cada música funcionar isoladamente pela questão da letra, temática, enfim.
MJ – Como vocês chegam ao resultado final de performance – desde criar os arranjos, memorizar as partes?
André – Pra mim existem duas etapas que são bem claras: uma primeira que é totalmente instintiva e caótica, que é o sentido da criação da música no cerne, seja quando o Róger compõe, quando eu componho, quando a gente tenta fazer algo em parceria, que é aquela coisa pela expressão, que é “Tá, tem que ser isto aqui!”. Depois tem um outro trabalho de lapidar aquilo, ver o arranjo, e aí sim vem essa parte que tu fala, de a gente pensar em como vai executar isso no show, se a gente quer ou não colocar um jogo com o público, de repente. A gente gosta também de contextualizar as músicas. Aí depois vem essa parte mais industrial, digamos assim, de realmente pensar nessas coisas.
Róger – Letra tu acaba te apropriando de um jeito que é ensaio, ensaio, ensaio.
MJ – O primeiro registro de vocês foi direto em DVD.
André – A gente sempre acreditou nesse potencial cênico. Desde aquele primeiro show lá no [Teatro] Glênio Peres, a gente viu que tinha uma coisa ali que se diferenciava do resto, e a gente achava que se gravássemos um CD do jeito tradicional não ia capturar tudo. Então a nossa primeira ideia é que esse nosso primeiro material transmitisse essa energia que tem no show pra uma outra mídia. Então o DVD veio como a melhor pedida. O audiovisual foi uma forma de adaptação da linguagem do show.

Fonte: http://musicajardim.wordpress.com/2013/11/22/entrevista-quica-se-fosse/

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